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Messias e rinocerontes

Numa peça de 1948, Virgilio Piñera conta a história de um simples barbeiro de bairro, chamado Jesus, que os vizinhos declaram tratar-se do novo Messias. O pobre barbeiro rejeita tal predicado e nega todos os milagres que lhe atribuem. Os discípulos, porém, transformam cada coincidência (os pais chamam-se Maria e José) e cada palavra de Jesus num motivo de encantamento.

Ora, vítima de tão excepcionais e involuntárias circunstâncias, vê-se forçado a enfrentar o fanatismo popular e a proclamar a sua condição de “Não-Jesus”. Desta maneira, nega não apenas a sua condição de Messias, mas também a sua própria identidade, uma vez que efectivamente se chama Jesus. O problema assume proporções inimagináveis: o Vaticano envolve-se no assunto (aconselha-o a não confirmar nem a desmentir a fé do povo na sua suposta natureza divina, Vox populi vox Dei) e as autoridades públicas exigem-lhe que realize façanhas prodigiosas. Por compaixão, ajuda algumas pessoas que lhe pedem milagres e que, por isso, se convertem em seus seguidores. Jesus é preso, escapa, faz uma ceia – uma última ceia – e, por fim, é assassinado.

Esta peça de “teatro do absurdo”, que está, de certa forma, na origem de um dos contos mais impressionantes de Piñera, “O Grande Baro”, de 1954, aparece antes de Beckett, antes de Ionesco e antes de Adamov. O “Rinoceronte”, por exemplo, a peça de Ionesco que partilha várias ideias com “Jesus” (os tópicos da infinita solidão do indivíduo perante a multidão, o homem isolado e acossado pelo mundo, etc.) é de 1958. E, claro, “A Vida de Brian”, dos Monty Python, só chega aos cinemas em 1979, e “As sagradas escrituras”, de François Cavanna, é publicado em 1982.

Um labirinto leva a outro.

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