Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

Fúria

A versão de Medeia , de Jean Anouilh, pela companhia Público Reservado, inclui a intervenção ao vivo de uma banda rock. É uma originalidade que não está obviamente no texto de Anouilh, mas que, na leitura de Eduarda Neves , funciona como uma tentativa de introduzir na peça uma espécie de coro grego. É uma hipótese muito curiosa e estimulante. Aceitando essa hipótese, a banda rock é um coro “negativo”, quer dizer, não ajuda a “esclarecer” a história; pelo contrário, acentua e aprofunda o drama e a solidão de cada personagem. As intervenções do coro excluem e afastam ainda mais os personagens do mundo: “não há razão, não há luz, não há descanso.” Medeia , de Jean Anouilh, pela companhia Público Reservado.  Teatro do Campo Alegre, 4 a 7 de Outubro.

Já não gosto de sangue

MEDEIA coloca-se diante de Creonte   Creonte, tu estás velho. És rei há muito tempo. Já viste homens e escravos que cheguem. Já fizeste cozinhados ignóbeis. Olha-me bem nos olhos e examina-me. Eu sou Medeia. (...) Eu sou da tua raça. Da raça daqueles que julgam e que decidem sem voltar atrás e sem remorsos. Não estás a agir como rei, Creonte. Se queres dar a Jasão a tua filha, mata-me imediatamente com a velha e as crianças que dormem ali e com o cavalo. (...)  CREONTE Por que é que tu queres morrer?  MEDEIA  Por que é que tu queres que eu viva, agora? Nem tu, nem eu, nem Jasão têm interesse em que eu ainda esteja viva dentro de uma hora, sabe-lo bem.  CREONTE faz um gesto, diz de repente em surdina Já não gosto de sangue. (...) Vês, estou a ficar velho. Uma noite é demasiado para ti. É o tempo de dez dos teus crimes. Eu deveria recusar o teu pedido… Mas também eu matei muito, Medeia. E nas aldeias conquistadas onde entrava à cabeça dos meus soldados bêbados, muitas c
UMA PALAVRA Longe de mim querer corromper a juventude, É um trabalho que sobreleva as Minhas capacidades. Antes cicuta. Mas tenho que explicar o sentido Da palavra "desesperança". É uma esperança negativa. A gente senta-se num cais E deixa o sol trabalhar. O sol minúsculo, isto é, o calor na pele. Chamo a isto a experiência mínima. Feito isto: Venha de lá então Essa catástrofe. Manuel Resende, O mundo clamoroso, ainda.

A realidade é teatro e o teatro é realidade

O aspecto mais fascinante de Five Easy Pieces , de Milo Rau, é a arquitectura. Quer dizer, a maneira como os elementos encaixam entre si, sugerindo uma construção de Lego com instruções precisas de montagem e sem margem para o improviso. Se retirarmos os elementos acessórios, ficam duas peças-mestras: a peça das crianças, que acontece no palco, e a peça para adultos, que se desenrola na cabeça dos espectadores. Em Five Easy Pieces há, pois, duas peças dispostas de maneira a evoluírem em simultâneo. Os actores crianças representam uma história que funciona para eles como uma fábula, à maneira tradicional dos irmãos Grimm, com vítimas inocentes e um lobo mau, e interpretada segundo a lógica de uma série televisiva de detectives. Trata-se de um jogo de faz-de-conta, excitante e, de certa forma, divertido. E há uma segunda história, baseada no caso real de Marc Dutroux, pedófilo e assassino confesso de várias crianças, que horrorizou a Bélgica e a Europa nos anos 90. As duas perspecti

Preparação para Medeia: mulher cão

[Medeia, de Jean Anouilh. Estreia 4 de Outubro, no Teatro do Campo Alegre.]

Preparação para Medeia: o desejo

All human activity is prompted by desire. There is a wholly fallacious theory advanced by some earnest moralists to the effect that it is possible to resist desire in the interests of duty and moral principle. I say this is fallacious, not because no man ever acts from a sense of duty, but because duty has no hold on him unless he desires to be dutiful. If you wish to know what men will do, you must know not only, or principally, their material circumstances, but rather the whole system of their desires with their relative strengths. Bertrand Russell, discurso na Academia Nobel, 11 de Dezembro de 1950. [Medeia, de Jean Anouilh. Estreia 4 de Outubro, no Teatro do Campo Alegre.]

Um post saído directamente do meu umbigo

2017 está a ser um ano bom. Em pouco mais de dois meses, conseguimos partilhar com amigas e amigos, conhecidas e desconhecidos, leitores e engenheiros astrofísicos, dois livros de que nos orgulhamos até à baba: 63 histórias de Humor e 1 Poema Melancólico , de Alphonse Allais, com tradução, introdução e notas de Filipe Guerra - um dos monstros da tradução, cuja amizade e confiança nunca saberemos agradecer convenientemente -, através da Colecção Avesso , e, agora, 145 Poemas , de Konstantinos Kaváfis, com tradução e apresentação de Manuel Resende, através da nossa editora, a Flop .  Não sei falar sobre Manuel Resende sem usar adjectivos. Dizer que é um dos mais originais poetas portugueses não chega. Lembrar que é um dos três ou quatro maiores tradutores da sua geração é pouco. Declarar que é um dos nossos sábios da literatura é curto. Dizer que é um dos nossos amigos mais queridos também está longe do que queremos realmente dizer. Manuel Resende fez o favor de confiar na Flop para e