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O homem da câmara de filmar

Breves notas sobre a poesia de Manuel Resende VI

E há momentos em que o ritmo acelera, a marcha avança, vertiginosa, até ao fundo do século XX. O leitor corre por dentro do filme de Vertov, numa louca e febril espiral com Maiakovski e Rodchenko. Mas o olho do poeta vê mais do que o olho da câmara. Vê a imagem e o que está por trás dela, o objecto e o seu avesso de minuciosas rodas dentadas, o homem e o seu desespero cor de fogo, o homem e a sua insondável solidão.

Eia pontes! Eia gruas, braços arranhando o nevoeiro dos portos! Eia formigamento de braços moles aguentando a estiva contra o peso e o sol!
Eia suor, eia rumor, ronronar, triturar, estuar, estourar abrir das ostras e da noite, eia súbito lançamento da manhã, eia multidão invadindo as ruas, invadindo os transportes, os portos, a alma, os olhos, invadindo tudo!

Eia! Tinir das chaves de fenda, borbulhar do ferro em brasa, chispas de aço fendendo a escuridão
Eia! Proteína da argamassa, cimento, estuque, fermento dos seis andares, música silenciosa da construção civil, órgãos silenciosos dos ferros plantados no cimento.
(Um Dia de Vida.)

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